Pesca artesanal e resiliência: pescadoras de Belmonte enfrentam desafios da crise climática

Por Ana Duék, jornalista editora do portal Viajar Verde.

Todos os anos, em meados de agosto, as pescadoras de Belmonte, na Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras, litoral sul da Bahia, se preparam para a aguardada temporada de pescadinha, um dos peixes mais requisitados pelos restaurantes e hotéis da região. Este ano, porém, o cenário é desafiador: já falta pescada nos cardápios. “Estamos em outubro e nossa pesca está muito fraca. O mar está grosso, o vento soprando de leste, e nossas embarcações não conseguem sair”, relata Pedrina Rodrigues, secretária da Associação das Marisqueiras e Pescadoras de Belmonte (AMPB). 

Pesquisas recentes da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) revelam que os oceanos já absorveram mais de 90% do calor gerado pelo aquecimento global nos últimos 50 anos. O novo relatório “Riscos de Mudanças Climáticas para Ecossistemas Marinhos e Pescarias”, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) prevê que, se continuarmos aumentando a temperatura média global, até o final do século, o volume de recursos pesqueiros no oceano pode reduzir em 30% ou mais, em 48 países.

A pesca artesanal tem um papel essencial para diversas comunidades tradicionais brasileiras, sendo uma atividade enraizada na preservação de culturas e modos de vida que atravessam gerações. Mais do que abastecer moradores e turistas com pescado e frutos do mar frescos, ela sustenta tradições ancestrais e fortalece a economia local, tornando-se aliada do turismo responsável. Mas esse patrimônio cultural e econômico está seriamente ameaçado pelas consequências das mudanças climáticas e de outras intervenções humanas.

Nos últimos anos, a Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras, que abrange cerca de dez mil hectares de manguezais e estuários, essencial para a subsistência das comunidades locais, tem sofrido com uma série de problemas: enchentes, derramamento de petróleo, assoreamento do Rio Jequitinhonha e, sobretudo, os efeitos da crise climática. “Os siris, que chamamos de cavaquinha, desapareceram da nossa região. Houve uma grande mortandade de ostras e o mexilhão só está começando a voltar agora. O assoreamento do rio reduziu muito as espécies de peixes, principalmente o robalo”, conta Pedrina, filha de pescadores e marisqueiras, que testemunha essas transformações de perto ao longo dos anos. “O tempo é nosso aliado e com o tempo ruim, não conseguimos trabalhar. Nós dependemos da natureza. Todos nós somos natureza”, reflete a pescadora.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), “pescadores de pequena escala são particularmente vulneráveis ​​às mudanças climáticas, devido à sua localização geográfica e sua situação de pobreza. Por estarem localizadas na costa, as comunidades pesqueiras estão expostas a eventos extremos relacionados ao clima e riscos naturais, como furacões, ciclones, elevação do nível do mar, acidificação do oceano, inundações e erosão costeira”.

Quando as pescadoras são mulheres, os desafios se intensificam. Um relatório do Women in Finance Climate Action Group revela que 8 em cada 10 pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres. “Nós, mulheres, temos que cuidar da casa, das crianças, e muitas ainda querem estudar. Não podemos ir longe para pescar”, explica Pedrina. “Antes, conseguíamos trabalhar com qualquer maré, alta ou baixa. Agora, com o assoreamento do rio, isso se tornou impossível”.

Apesar do cenário desafiador, a força e resiliência mantêm as pescadoras da Associação das Marisqueiras e Pescadoras de Belmonte firmes, sempre inovando e se adaptando. Em 2019, elas deram um passo importante ao fundar a Sustentamar, uma unidade de beneficiamento de pescado que se tornou a realização de um sonho e símbolo de superação.

“A cada dia, seguimos nos reinventando”, afirma Pedrina. “Deus nos deu sabedoria e a unidade de beneficiamento nos permite explorar novas maneiras de sustentar nosso trabalho. Quando os peixes são escassos, nós aproveitamos para produzir subprodutos como bolinhos, hambúrgueres e pratos típicos. Além disso, começamos a promover vivências para conscientizar as pessoas sobre a importância da natureza para os povos tradicionais e como somos os primeiros a sentir os impactos da sua degradação”. As pescadoras e marisqueiras de Belmonte se tornaram importantes guardiãs do conhecimento local e são essenciais para a preservação dos ecossistemas costeiros no litoral sul da Bahia.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Como se tornar um Aliado Futuri

Aliado

Pessoas físicas ou jurídicas que atuam diretamente com turismo no território da Futuri como: empreendedores do setor de hospedagem, alimentação, transporte, operação de serviços e atrativos, guias, etc.

Parceiro Aliado

Pessoas físicas ou jurídicas que não atuam diretamente no turismo do território, mas querem fazer parte dessa aliança, como: instituições de ensino, gestores públicos, terceiro setor, consultores, fornecedores do setor turístico, voluntários, etc.

Manual de Boas Práticas Sustentáveis no Turismo

Receba o manual construído de forma colaborativa por diversas pessoas e instituições, baseado em referências do Brasil e do mundo, e adaptado para o nosso território. 

Perguntas Frequentes

A Futuri é uma aliança informal, voluntária e sem custo, formada por instituições e pessoas envolvidas direta ou indiretamente na gestão e operação do turismo, abrangendo: empreendedores dos setores de hospedagem, alimentação, transporte e operação dos serviços e atrativos, profissionais do turismo, gestores e técnicos das áreas protegidas públicas e privadas, outros gestores públicos de meio ambiente, turismo e cultura em escalas municipais e estadual, representantes de povos indígenas e de comunidades tradicionais locais, institutos de ensino. Este é um coletivo formado para criar e executar ações por um turismo + sustentável e regenerativo no território. 

• Estabelecer um sistema de governança que integre iniciativas, atividades, pessoas e roteiros;
• Promover a operação turística com responsabilidade com a natureza, com as pessoas e a economia local;
• Implementar práticas sustentáveis em melhoramento contínuo;
• Divulgar atividades, atrativos e destinos + sustentáveis.

Partes do Sul e Extremo Sul da Bahia no Brasil, abrangendo os municípios de Nova Viçosa, Caravelas, Alcobaça, Prado, Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Belmonte, Canavieiras e Una, onde se encontra o Banco dos Abrolhos, que abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, bem como diversas áreas que protegem um grande centro de endemismo da Mata Atlântica e é um dos principais polos turísticos brasileiros, contemplando as regiões turísticas da Costa das Baleias, do Descobrimento e parte da Costa do Cacau.

Qualquer pessoa ou instituição que atue diretamente com o  turismo no território e que tenha interesse em participar de uma construção coletiva para implementar práticas mais sustentáveis e regenerativas, e que assuma os  compromissos e princípios Futuri, descritos na Carta de Adesão e Princípios dessa aliança. 

Para aqueles que não atuam diretamente no turismo e/ou no território, mas querem apoiar e participar dessa construção, é possível ser um Parceiro Aliado, assumindo também os compromisso descritos na Carta de Princípios da Futuri.

Para se tornar um Aliado Futuri:

1) Dê aceite na Carta de Adesão e Princípios Futuri;

2) Faça a autoavaliação de práticas mais sustentáveis e se comprometa em buscar melhoria constante na sua atuação baseado nos critérios avaliados;

3) Contribua nessa construção colaborativa do Futuro do Turismo no nosso território, participando das reuniões e das trocas que acontecem nos grupos on-line desta aliança.

 

Para Parceiros Aliados (que não atuam diretamente no turismo e/ou no território):

1) Dê aceite na Carta de Adesão e Princípios Futuri;

2) No formulário que consta ao final da Carta, conte-nos um pouco sobre como deseja apoiar a iniciativa (atuando voluntariamente nos Grupos de Trabalho, apoio técnico, apoio financeiro, apoio institucional)

3) Analisaremos sua solicitação e entraremos em contato para próximos passos dessa parceria

Ainda tem dúvida?

Siga a Futuri no Instagram